terça-feira, 2 de abril de 2019

MATEUS 26



MATEUS 26



Este capítulo nos traz de volta à história dos últimos dias da vida do Senhor na Terra. Pelos versículos iniciais damos uma espiada no palácio do sumo sacerdote, e percebemos que ele está cheio de astúcias e conselhos de homicídio. Nos versículos 6 e 13, nos voltamos desta iniquidade mais atroz nos lugares mais elevados para observar uma ação de amor e devoção em um lar humilde, onde moravam alguns do remanescente piedoso. De João 12 concluímos que a mulher era Maria de Betânia. Ela evidentemente ungiu tanto Sua cabeça como Seus pés, mas Mateus, enfatizando Seu caráter de Rei, menciona que Sua cabeça foi ungida, como convém a um rei: João, enfatizando Sua Deidade, nos diz que Seus pés foram ungidos, embora um grande servo como João Batista não fosse digno de desatar Suas sandálias.
Os discípulos estavam inteiramente fora de sintonia diante deste ato de devoção, considerando-o como mero desperdício. A queixa deles foi instigada por Judas Iscariotes, como o evangelho de João nos mostra, mas revelou-os como pensando primeiro em dinheiro e depois em pobres, ignorantes e confusos quanto à Sua morte que se aproximava. A mulher não pensava nem em dinheiro nem em pobre. Cristo encheu sua visão e Ele soube interpretar sua ação. Muito provavelmente ela agiu mais por instinto do que por inteligência; mas ela estava consciente de que a morte agora ameaçava o Objeto de sua afeição e adoração, e o Senhor aceitou o que ela fez quanto ao Seu sepultamento. Ele não somente aprovou, mas ordenou que seu ato devotado fosse mantido em lembrança contínua onde quer que o evangelho fosse pregado. E assim tem sido.
A devoção da mulher se levanta no mais forte contraste possível com o ódio dos líderes religiosos, relacionado no parágrafo anterior, e a traição de Judas, relacionada no parágrafo seguinte. A violência atingiu seu clímax nos líderes – eles O matariam imediatamente sem escrúpulos. A corrupção alcançou seu clímax em Judas, que, tendo acompanhado Jesus por três anos, estava desejoso de obter o lucro insignificante de trinta moedas de prata por sua traição. Um escravo em Israel era estimado como valendo trinta siclos de prata, como Êxodo 21:32 mostra.
Então, novamente, se o segundo parágrafo do nosso capítulo (vs. 6-13) nos mostra a devoção de uma discípula ao seu Senhor, o quarto parágrafo (v. 17 em diante) nos mostra a preocupação do Senhor por Seus discípulos, e como Ele contava com a lembrança deles de Si mesmo durante o tempo de Sua ausência que se aproximava.
A páscoa foi comida no lugar escolhido pelo Senhor e, ao ela acontecer, Ele identificou o traidor e avisou-o de seu destino. A ida do Filho do Homem à morte pela traição havia sido predita nas Escrituras Sagradas, mas isso em nada diminuía a gravidade do ato do traidor. O fato de que Deus é onisciente e pode predizer os atos dos homens não os isenta da responsabilidade pelo que eles fazem. Por seu ato, Judas revelou a verdade de quem ele era. Jesus estava prestes a revelar-Se plenamente por sua morte.
Quando a celebração da Páscoa chegou ao fim, Jesus instituiu Sua ceia como memorial de Seu corpo entregue e Seu sangue derramado por nós para remissão dos pecados. Nas palavras dos versículos 26-29 não há nada que definitivamente afirme que a instituição deve ser observada até que Ele venha novamente: para isso temos que nos voltar para 1 Coríntios 11. O fato é deduzido do versículo 29, porque o cálice fala de bênção e gozo, e do qual o Senhor beberá de uma nova maneira quando o reino chegar: enquanto isso o cálice é para nós e não para Ele. Hoje Ele é caracterizado por paciência: no dia do reino Ele entrará na bênção e gozo de um modo totalmente novo. Enquanto isso, temos o memorial de Sua morte, pois nela Seu corpo e sangue são apresentados a nós não conjuntamente, embora Ele fosse um homem vivo na Terra, mas separadamente: este pão, Seu corpo e aquele cálice de vinho, Seu sangue derramado; simbolizando assim a Sua morte.
A caminho do Monte das Oliveiras, Jesus predisse como a Sua morte significaria a dispersão deles, como as Escrituras haviam dito, mas Ele indicou-lhes a Sua ressurreição e designou um local de encontro na Galileia, onde Ele os reuniria novamente. Pedro, no entanto, cheio de confiança própria, resistiu à advertência para sua própria queda, e também demonstrou a sua não percepção do fato e importância da ressurreição. Todos os discípulos foram caracterizados pela mesma coisa, embora não no mesmo grau.
Eles foram muito cedo colocados em teste no Getsêmani. Ali Jesus entrou em espírito na tristeza da morte que estava diante d’Ele, mas totalmente em comunhão com o Seu Pai. Sua própria perfeição fez com que Ele Se afastasse de tudo o que estava envolvido no sofrimento e da morte que o julgamento de Deus produziria; mas aceitou o cálice da mão do Pai. Além disso, foi um tributo à perfeição de Sua Humanidade que Ele desejasse a empatia dos discípulos escolhidos, mas a palavra profética foi cumprida – “esperei por alguém que tivesse compaixão, mas não houve nenhum; e por consoladores, mas não os achei” (Sl 69:20). Pedro e os outros, que tinham tanta certeza de que nunca o negariam, não puderam vigiar com Ele uma hora. A carne deles era fraca demais, mas ainda não sabiam disso. Nem sabiam que a traição de Judas estava se concretizando, e a crise estava sobre eles.
Mas assim foi, e no resto deste capítulo vemos o surpreendente contraste entre o Cristo de Deus e todos os outros que de alguma forma entraram em contato com Ele. Todos exibem suas próprias deformidades peculiares: A única figura serena no centro da cena é a Sua.
Primeiro vem Judas, o traidor; mascarando sua traição com tamanha hipocrisia que dezenove séculos depois do evento “o beijo do traidor” continua sendo uma proverbial expressão de nojo. Na linguagem do Salmo 41:9, aqui estava “Meu próprio amigo íntimo, em quem Eu tanto confiava, que comia do Meu pão, levantou contra Mim o seu calcanhar”. Por isso, Jesus Se dirigiu a ele como “Amigo”, e fez-lhe a pergunta indagadora, “a que vieste?” Ele viera para trair o seu Mestre para poder ganhar trinta insignificantes moedas de prata.
A hipocrisia doentia do falso discípulo é seguida pelo zelo carnal de um verdadeiro, a quem sabemos ser Pedro pelo evangelho de João. O homem cheio de confiança própria dorme quando deveria estar acordado, e fere quando deveria estar quieto, quando sua ação teria sido para o descrédito de seu Mestre, caso ela não tivesse sido anulada. Está chegando o tempo em que “os santos” exultarão “em glória” (JND), quando “os altos louvores a Deus” estarão “em seus lábios” (ARA) com “espada de dois fios nas suas mãos para tomarem vingança” (Sl 149:5-7); mas isso é no tempo do segundo Advento e não no primeiro. A ação de Pedro estava totalmente fora de lugar e o encorajava a um golpe de espada sobre si mesmo. Também estava inteiramente fora de harmonia com a atitude de seu Mestre, que tinha um poder irresistível à Sua disposição e, ainda assim, sofreu Ele mesmo como Cordeiro entregue ao matadouro, como a Escritura havia indicado.
Quando Deus estava para apagar de debaixo do céu as cidades da planície, Ele enviou apenas dois anjos para dar o golpe. Se doze legiões tivessem sido lançadas no mundo rebelde, o que teria acontecido? A oração que os teria invocado não foi proferida, e o golpe de Pedro, que atingiu tanto a ele como a seu Mestre, foi simplesmente absurdo. Quando nos contentamos em sofrer como Cristãos, somos espiritualmente vitoriosos; quando pegamos a espada, perdemos a batalha espiritual e finalmente perecemos pela espada. Uma das principais razões pelas quais a Reforma, de cinco séculos atrás, foi tão gravemente detida e desfigurada foi que seus promotores principais tomaram da espada em sua defesa, e assim a transformaram em um movimento nacional e político, em vez de espiritual.
Em seguida, vemos o Senhor lidando calmamente com a multidão que, liderada por Judas, veio prendê-lo. Mostrou-lhes a inadequação e até a loucura de suas ações. No entanto, na presença dela, a fortaleza de todos os discípulos desmoronou e eles abandonaram o seu Mestre e fugiram. Assim são até mesmo os melhores dos homens!
A multidão O entregou aos líderes de Israel, e esses homens que afirmavam representar a Deus, haviam jogado fora qualquer pretensão de buscar justiça. Não nos é dito que foram induzidos a erro ao aceitar provas falsas, nem que foram tentados a receber o erro porque foi imposto a eles. Não, nos é dito que eles buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte”. Eles BUSCAVAM. Já houve alguma vez, nos perguntamos, outro julgamento sobre esta Terra onde os juízes começassem a caçar mentirosos, para que condenassem o acusado? Assim foi aqui; e na presença disso, Jesus manteve a Sua paz. Sendo o julgamento completamente divorciado da justiça, Ele os recebeu com uma dignidade que era divina, e Ele somente falou para afirmar Seu “estado de ser o Cristo”[1], Sua Filiação, e afirmar Sua glória vindoura como o Filho do Homem.
Nisto eles O condenaram, mas o sumo sacerdote violou a lei, rasgando suas roupas ao condená-Lo, por meio do que, apenas condenou a si mesmo. Este foi o sinal para um pandemônio de insultos, no meio do qual estava a figura serena de nosso Salvador e nosso Senhor. A brilhante calma de Sua presença nos ajuda a ver a tenebrosa degradação em que se afundaram.
Por fim, neste capítulo, Pedro colhe o que semeara em sua confiança própria. Lemos que ele “O seguiu de longe” no versículo 58, agora o encontramos entre os inimigos de seu Senhor e incapaz de ficar em pé. Ele prova ser fraco exatamente onde parecia ser forte, tanto quanto a impetuosidade não é a mesma coisa que coragem. A energia carnal o impeliu a uma posição em que ele nunca deveria ter estado, e ele caiu. Não podemos atirar pedras nele. Em vez disso, vamos orar para que, se nos encontrarmos em uma situação semelhante, possa nos ser concedido arrependimento semelhante ao registrado no último verso – um arrependimento que começou assim que a queda havia sido consumada.




[1] N. do T.: O autor usa aqui a palavra “Christhood” que não tem uma correspondente em português, mas cuja definição seria “o estado ou fato de ser o Cristo”.

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