sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

MATEUS 20


Mateus 20

Este capítulo abre com a parábola do pai de família e seus trabalhadores, a qual no verso 16 nos traz de volta com uma convicção nova exatamente para esse ponto. A parábola também tem referência direta à pergunta de Pedro, que pediu uma promessa exata de recompensa, uma vez que ela destaca a diferença de tratamento dispensado pelo pai de família entre aqueles que o serviram como consequência de um acordo, e aqueles que o fizeram sem qualquer ajuste, mas com a simples confiança de que ele lhes daria “o que for justo”. Todos podemos bem entender os sentimentos daqueles primeiros trabalhadores, e a queixa de injusto tratamento que eles apresentaram, uma vez que eles tinham suportado o fardo e o calor do dia. Que trabalhador existe que não estaria inclinado a raciocinar da mesma maneira que eles fizeram? Mas o “pai de família” atribuiu grande valor a essa confiança na retidão de sua mente e fé em sua palavra, que caracterizou os que chegaram por último. Ele tinha o direito de fazer o que quisesse com seu próprio dinheiro, e tão altamente ele avaliava a fé que ele deu aos últimos exatamente o que ele deu aos primeiros. E na distribuição do dinheiro ele começou pelos últimos. Assim, os últimos foram os primeiros e os primeiros foram os últimos.
Aqui, então, é uma lição que todos levamos muito tempo para aprender. O Senhor não subestimará o trabalho, mas Ele valorizará ainda mais a fé simples em Si mesmo, em Sua retidão, em Sua sabedoria, em Sua Palavra, que continuará servindo a Ele, mesmo que até tarde do dia, sem muita consideração quanto à recompensa, ou qualquer tentativa de acordo. A fé e o amor que moveriam alguém para servi-Lo dessa maneira é mais doce para Ele do que o verdadeiro trabalho que elpudessem realizar. Vamos ganhar se lermos, marcarmos, aprendermos e digerirmos interiormente essa parábola.
Jesus estava agora em Seu caminho à Jerusalém pela última vez, e Ele mais uma vez pressionou os discípulos com Sua morte e ressurreição que se aproximavam. No que diz respeito ao registro deste evangelho, esta é a quarta vez que Ele o fez desde Seu grande prenúncio de edificar Sua Igreja, em Mateus 16. Aqui há uma riqueza de detalhes em poucas palavras. Ele prediz Sua traição por Judas, Sua condenação pelo Sinédrio, Sua  entrega por eles a Pilatos e seus soldados, o escárnio, os açoites, a crucificação e finalmente Sua ressurreição – tudo contido em dois versículos.
No entanto, as mentes dos discípulos ainda estavam cheias de antecipação do breve estabelecimento do reino; Tanto que Tiago e João foram trazidos por sua mãe com um pedido de lugares de proeminência no reino. Jesus respondeu com uma pergunta que indicava que a honra no reino vindouro será proporcional à medida que alguém tiver se identificado com Ele em Seus sofrimentos e rejeição. Ao mesmo tempo, Ele mostrou que as recompensas no reino seriam dadas de acordo com a avaliação do Pai. O próprio Filho do Homem vai receber o reino das mãos do Pai, como havia sido indicado no Salmo 8 e em Daniel 7, de modo que os santos também receberão seu lugar no reino das mãos do Pai. A lembrança disso nos ajudará a entender o Senhor dizendo que a recompensa “não Me pertence dá-la”.
Este é o único caso, tanto quanto nos lembramos, onde um dos pais veio ao Senhor com um pedido para seu filho e encontrou uma recusa. Mas então a mãe estava pedindo um lugar proeminente como recompensa: em todos os outros casos, o pedido era por bênção de Suas mãos. Isso nunca foi negado. Havia evidentemente um espírito de competição entre os discípulos, pois os dez sentiram que os dois tinham os deixado para trás e ficaram indignados. Isso levou a mais uma bela lição quanto à humildade que convém ao reino. Ainda hoje somos muito lentos em reconhecer que os princípios que prevalecem no reino divino são o oposto daqueles que prevalecem nos reinos dos homens. No mundo, a grandeza é expressa em domínio e autoridade: o grande está em posição de domínio sobre seus semelhantes. Entre os santos, a grandeza se expressa no ministério e serviço. A palavra para ministro no versículo 26 é “diakonos” e que para servo no versículo 27 é “doulos” (escravo); a palavra a qual Paulo usa para Timóteo e para ele mesmo no versículo de abertura da epístola aos Filipenses. Paulo era preeminentemente um servo de Jesus Cristo, e ele não será achado pequeno quando medido pelo padrão que prevalece no reino dos céus.
Por outro lado, havia nos dias de Paulo homens que visavam o domínio e a autoridade, trazendo os crentes sob servidão, devorando-os, despojando-os, exaltando-se e ferindo os outros no rosto. Mas tais eram falsos apóstolos e obreiros fraudulentos – veja 2 Coríntios 11:13-20. Há pessoas em nossos dias que impõem seu domínio da mesma forma, e fazemos bem em tomar cuidado com elas. O Senhor coloca-Se diante de nós como o Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir, embora ser servido fosse Seu direito. Daniel 7:9-14 mostra isso de duas maneiras, pois Jesus pode ser identificado como o “Ancião de dias”, e também como o Filho do Homem. Como o Ancião de dias “milhares de milhares O serviam” antes que Ele descesse entre nós. Como Filho do Homem, “todos os povos, nações e línguas” O “servirão”. Contudo, entre isso veio o tempo de Sua humilhação, quando Ele Se dedicou ao serviço; que foi ao ponto extremo de dar a Sua vida em resgate por muitos. Assim, pela quinta vez desde o capítulo 16, o Senhor colocou Sua morte diante das mentes de Seus discípulos; e desta vez Ele falou de sua virtude redentora. Graças a Deus que estamos entre os “muitos”!
As cenas finais do evangelho começam com o incidente concernente aos dois cegos quando Ele partiu de Jericó. Tanto Marcos como Lucas mencionam apenas um deles, cujo nome era Bartimeu, mas, evidentemente, haviam dois. A mesma característica é vista nos relatos da expulsão da legião de demônios, pois no final de Mateus 8 nos fala de dois homens, onde Marcos e Lucas mencionam apenas um. Em ambos os casos, houve duas testemunhas do poder e da graça de Jesus, e Mateus menciona isso, uma vez que seria especialmente impressionante para os leitores judeus, acostumados à estipulação de sua lei quanto à validade do testemunho de duas pessoas, enquanto o de uma só poderia ser desconsiderado.
O Filho de Davi estava agora pela última vez Se aproximando de Sua cidade principal. Esses homens tinham fé suficiente para reconhecê-Lo e receberam d’Ele a visão física que desejavam. Com os olhos abertos eles se tornaram Seus seguidores. Isto certamente simbolizava a necessidade espiritual das massas de Israel. Se apenas seus olhos estivessem realmente abertos, eles teriam visto o seu Messias em Jesus no dia de sua visitação. A situação hoje é semelhante. As pessoas costumam reclamar de falta de luz. O que eles realmente necessitam é a visão espiritual – isto é, a fé – que lhes permitiria ver a luz, que brilhou tão intensamente n’Ele.

MATEUS 19


Mateus 19


Jesus Se aproximou novamente da Judeia e os fariseus voltaram ao ataque. Eles levantaram uma questão sobre casamento e divórcio, na esperança de apanhá-Lo. Nisso eles falharam totalmente em cumprir porque estavam se colocando contra a sabedoria divina. Uma resposta completa foi dada a eles ao remetê-los ao que Deus havia ordenado no princípio. O homem não deveria desfazer o que Deus havia feito. Isso levantou em suas mentes uma questão de por que o divórcio foi permitido na lei dada por meio de Moisés. A resposta foi que tinha sido permitido por causa da dureza do coração dos homens. Deus bem sabia disso e, portanto, Ele não estabeleceu o padrão muito alto. A lei estabelece a exigência mínima de Deus para a vida neste mundo. Portanto, falhar apenas uma vez a qualquer momento era incorrer na sentença de morte. Apenas uma coisa pode dissolver o laço de acordo com Deus, e esse é o rompimento virtual do vínculo por qualquer uma das partes.
É somente quando chegamos a Cristo que obtemos a totalidade dos pensamentos de Deus – o máximo de Deus em todos os aspectos.
O ensinamento do Senhor quanto ao divórcio era novo e surpreendia até mesmo o Seus discípulos, que estimulou a observação deles registrada no versículo 10. Isso, por sua vez, levou-O a declarar que o casamento é a coisa normal para o homem, e o estado de solteiro é o excepcional, como é também deduzido pelas palavras de Paulo em 1 Coríntios 7:7. Se isso “foi concedido” a um homem, então “não convém casar”, mas normalmente, “Venerado seja entre todos o matrimônio” (Hb 13:4).
Depois disso, o Senhor deu às crianças seu verdadeiro lugar. Os discípulos manifestaram o espírito do mundo quando as trataram como sem importância, tanto que trataram a introdução delas como uma intrusão. Assim, mostraram que ainda não haviam aprendido a lição que Ele lhes ensinou nos versículos que abrem o capítulo 18 de Mateus. O Senhor, pelo contrário, impôs Suas mãos sobre eles em bênção e proferiu as memoráveis palavras: “não os estorveis de vir a Mim; porque dos tais é o reino dos céus”.
Em seguida vem o caso do jovem rico que afirmou ter guardado a lei, no que diz respeito aos mandamentos relacionados ao dever de alguém em relação ao próximo. O Senhor não negou sua afirmação, então aparentemente ele era irrepreensível no que se refere à observância exterior. Ele estava muito enganado, no entanto, ao pensar que fazendo algumas coisas boas ele poderia ter a vida eterna. Chegando naquele terreno, Jesus imediatamente o testou e, sob o teste, ele fracassou completamente. “Que me falta ainda?” Foi sua pergunta, e a resposta teve o propósito de mostrar que ele não tinha a fé que discernia a glória de Jesus, e que consequentemente o levaria a desistir de tudo para segui-Lo. Ele se aproximou de Jesus como o “Bom Mestre”, e o Senhor não aceitaria a designação de “bom”, a menos que fosse dado a Ele como o fruto do reconhecimento de Sua Deidade. “Não há bom senão um só que é Deus”, de modo que, se Jesus não era Deus, Ele não era bom. Se o jovem reconhecesse a Deidade daqu’Ele que lhe dizia: “Segue-Me”, suas “muitas propriedades” teriam sido como nada para ele, e ele teria seguido Jesus com prazer. Teríamos cada um de nós reconhecido a glória de Jesus para sermos purificado do amor de meras coisas terrenas?
O Senhor agora salientou a Seus discípulos quão aderentes as riquezas terrenas são ao coração humano. Os ricos entram no reino de Deus com grande dificuldade. Entre os judeus, a riqueza era considerada um sinal do favor de Deus; por isso, esta declaração também fez uma reviravolta nos pensamentos dos discípulos e os surpreendeu grandemente. Eles achavam que ninguém poderia ser salvo já que os ricos tinham tanta dificuldade. Isso levou a uma afirmação ainda mais forte. A salvação é uma coisa não apenas difícil ou improvável para o homem, mas impossível. Somente seria possível se o poder de Deus for manifestado.
Podemos resumir os versículos 10-26, dizendo que o Senhor derramou Sua luz sobre casamento, filhos e propriedades: três coisas que ocupam tanto de nossas vidas neste mundo, e em cada caso, a luz que Ele derramou, revolucionou os pensamentos que anteriormente os discípulos tinha conservado – ver versículos 10, 13, 25.
Pedro se apegou às palavras do Senhor, desejando um pronunciamento preciso sobre qual recompensa era oferecida àqueles que, como ele, haviam seguido o Senhor. A resposta deixou claro que há que vir “a regeneração”, isto é, uma ordem totalmente nova de coisas, quando o Filho do Homem não será mais rejeitado, mas estará sentado no trono da Sua glória. E que então os discípulos também estarão entronizados e investidos de poderes de administração sobre as doze tribos de Israel. Naquele tempo os santos vão julgar o mundo, e aqui é indicado o lugar de proeminência especial reservado aos apóstolos. Também é mencionado que todos os que abandonaram as relações e gozos terrenos pelo Seu Nome receberão cem vezes tanto juntamente com a vida eterna. A vida que o jovem rico desejou, e perdeu por não seguir a Cristo, será deles.
O último versículo do capítulo acrescenta uma palavra de advertência. Muitos que são os primeiros neste mundo serão os últimos lá, e vice-versa; porque os pensamentos de Deus não são como os nossos.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

MATEUS 18


Mateus 18


A pergunta dos discípulos: “Quem é o maior no reino dos céus?” mostrou que o reino estava preenchendo os pensamentos deles naquele exato momento. A resposta deixou claro que a única maneira de entrar no reino era tornando-se pequeno, e não grande. Como resultado da conversão, uma pessoa se humilha e se torna como uma pequena criança. Definitivamente, aparte disso ninguém está no reino. Então, quando entramos, assim progredimos; consequentemente, o mais humilde é o maior no reino. Os discípulos precisavam ter revolucionadas suas ideias sobre esse assunto e, assim também, todos precisamos com frequência. É evidente que aqui o Senhor não fala do reino como a esfera de profissão da qual o mal terá que ser tirado, como no capítulo 13, mas como uma esfera marcada por realidade vital.
Para responder à pergunta, Jesus chamou uma pequena criança e colocou-a no meio como uma lição objetiva. Ele prossegue mostrando que uma dessas crianças, se apresentada em Seu nome, torna-se uma pessoa de grande importância. Recebê-la equivale a receber o próprio Senhor. Nos versículos 2-5, um “menino [pequena criança – JND] está em questão; no versículo 6, é “um destes pequeninos, que creem em Mim”. Ofender um desses merece o julgamento mais severo, e isso leva o Senhor a colocar Seus discípulos à luz das coisas eternas. Existe algo como “fogo eterno”, e qualquer sacrifício é melhor do que incorrer nisso.
Até o versículo 14 ainda estamos ocupados com os pequeninos. Eles não devem ser desprezados por três razões. Primeiro, eles são os objetos contínuos do ministério angélico e são representados diante da face do Pai no céu. Segundo, eles são objetos da graça salvadora do Salvador. Terceiro, a vontade do Pai é para com eles em bênção; Ele não deseja que nenhum um se perca. Doces palavras de conforto para aqueles que perderam seus pequeninos no início da vida, dando ampla garantia de sua bênção. A comparação do versículo 11 com Lucas 19:10 é instrutiva. Ali estava em questão um homem adulto, que tivera muito tempo para se desviar; então a palavra “buscar” é encontrada. Aqui, onde a criança está em questão, ela é omitida. A tendência a se desviar está presente em cada um, como os versículos 12 e 13 indicam, mas o afastamento não é levado em conta da mesma maneira até que anos de responsabilidade sejam alcançados.
Os versículos 1-14, então, lidam com o “menino” e o reino. versículos 15-20 com o “irmão” e a Igreja. No capítulo 16:18-19, tivemos a Igreja e o reino, e ambos reaparecem aqui. Se é uma questão da pequena criança, nossa tendência é ignorá-la e desprezá-la. Se nosso irmão estiver em questão, há uma triste tendência para desentendimentos e ocasiões de transgressão ocorrerem, e estes são agora contemplados nos ensinamentos do Senhor. Temos instruções definitivas quanto ao procedimento a ser seguido, e o desprezo de tais instruções tem produzido danos incalculáveis. Se um irmão me ofendeu, meu primeiro passo é ir ter com ele sozinho e apontar seu erro. Se eu fizer isso no espírito correto, muito provavelmente ganharei o irmão e terei as coisas ajustadas. De outra forma, é claro, posso perceber que meus pensamentos é que precisavam ser retificados, pois as coisas não eram como pareciam.
Mas ele pode não me ouvir, e então eu devo me aproximar dele novamente com um ou dois irmãos como testemunhas, para que seu erro possa ser trazido diante dele de maneira mais definida e imparcial. Somente se ele ainda for obstinado é que a Igreja deve ser informada para que ele possa ouvir a voz de todos. Se ele for tão longe a ponto de desconsiderar a voz da Igreja, então devo tratá-lo como alguém com quem qualquer comunhão é impossível.
Será notado que o Senhor não prossegue dizendo o que a Igreja deve fazer; sem dúvida, porque as transgressões são de muitos tipos e graus variados de gravidade, de modo que nenhuma instrução se aplicaria a todos os casos. O verso 18, no entanto, implica que haveria casos em que a Igreja teria que “ligar” o malfeitor e então, outros casos onde sua ação teria que ser da natureza de “desligar”. Aqui achamos que, o que tinha sido dito anteriormente somente a Pedro, agora é dito para a Igreja. Tratar isso corretamente significaria muita dependência de Deus e oração. Além disso, mesmo nos primeiros dias, e sob circunstâncias mais favoráveis, dificilmente seria possível reunir toda a Igreja em um só lugar. Por isso, nos versículos 19 e 20, o Senhor reduz as coisas à menor pluralidade possível, mostrando que o poder da oração e a ação da Igreja não depende de números, mas de Seu nome. No caso pequena criança e do reino, o ponto importante era “em Meu nome”. No caso do irmão e da Igreja novamente “em [ou para o] Meu nome” é o que decide. Todo o peso da autoridade está aí.
O verso 20 às vezes é citado como se descrevesse certa base de comunhão, verdadeira em todos os momentos para aqueles na comunhão. Mas o Senhor falou não de estar reunido simplesmente, mas de estar “reunido junto” (JND); isto é, Ele falou de uma reunião de fato. Seu Nome é de tal valor que, se apenas dois ou três estiverem reunidos para esse nome, Ele está lá no meio, e isto dá poder aos pedidos deles e autoridade a seus atos. Ele está espiritualmente presente, não visivelmente: uma provisão maravilhosa e graciosa para os dias em que a Igreja não pode estar reunida como um todo, devido ao seu estado partido e dividido. Podemos ser muito gratos por isso, mas vamos tomar cuidado com o modo como a usamos.
Tem havido uma tendência de fazer deste “ajuntamento” ao Seu Nome apenas uma questão de uma posição da Igreja, eliminando dela todo o cuidado da condição moral. Então, podemos ser tentados a argumentar que isso ou aquilo deve ser ratificado no céu ou concedido pelo céu, porque agimos ou pedimos em Seu Nome. Deveríamos ser muito mais sábios se pisássemos mais suavemente, e quando não víssemos sinais do céu ratificando ou concedendo algo, nos humilhássemos e esquadrinhássemos nossos corações e caminhos a fim de descobrir onde perdemos a verdadeira reunião juntos em Seu Nome; ou se, na verdade, o tempo todo estávamos apenas andando diante de nós mesmos, e nosso estado moral errado.
No verso 21, encontramos Pedro levantando o outro lado da questão. E quanto à parte ofendida ao invés da parte ofensora? A resposta de Jesus chegou a isso – o espírito de perdão para com meu irmão deve ser praticamente ilimitado.
Então, Ele falou a parábola quanto ao rei e seus servos, com a qual o capítulo se encerra. O significado geral dessa parábola é muito claro; o único ponto que notamos é que ele se refere aos procedimentos governamentais de Deus com aqueles que tomam a posição de serem Seus servos, como fica claro quando alcançamos o versículo 35, que dá a própria aplicação do Senhor a ela. Há outra base completamente diferente para o perdão eterno, mas o perdão governamental muitas vezes depende do crente manifestando um espírito de perdão. Se tratarmos mal nossos irmãos, nos encontraremos mais cedo ou mais tarde nas mãos dos “atormentadores” e teremos um tempo de tristeza. E se algum de nós for testemunha de um irmão maltratando outro, seremos sábios se, em vez de tomarmos a lei em nossas próprias mãos e atacarmos o transgressor, imitarmos os servos da parábola e dissermos a nosso Senhor tudo o que foi feito, deixando que Ele lide com o ofensor em Seu santo governo.

MATEUS 17


MATEUS 17


A transfiguração, com a qual este capítulo se inicia, forneceu uma visão do reino, visto que Jesus mesmo, brilhando como o Sol, era a figura central, e com Ele em condições celestiais estavam Moisés e Elias, enquanto três discípulos em condições terrenas tinham parte nela. A “nuvem luminosa” que os cobria era, evidentemente, o reaparecimento daquilo que outrora habitava o tabernáculo, e dela falou a voz de Deus Pai, declarando Jesus ser o Filho, o amado Objeto e deleite do Seu coração. Pedro estava falando de maneira impetuosa, mostrando que ainda não tinha um senso adequado da exclusiva e suprema glória de seu Mestre. Não Pedro, mas Cristo é aqu’Ele a Quem devemos ouvir. Nossos ouvidos devem estar cheios com Sua voz e nossos olhos com Sua presença, de modo que, como os discípulos quando a visão se desvaneceu, também a ninguém víssemos “senão unicamente a Jesus”.
Embora Pedro, no momento, tivesse apenas um pequeno entendimento do que tudo significava, ele apreendeu mais tarde, quando o Espírito foi dado, como vemos quando nos voltamos para a sua segunda epístola. Ele percebeu então que era a confirmação da palavra profética sobre “a virtude [o poder – TB] e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”, pois eles eram “testemunhas oculares da Sua majestade” (2 Pe 1:16-19). O pleno significado da transfiguração não seria entendido até que o Filho do Homem ressuscitasse dos mortos e, consequentemente, o Espírito Santo fosse dado. Daí a acusação do Senhor aos três discípulos registrada no versículo 9 do nosso capítulo. A visão, no entanto, despertou dúvidas nas mentes dos discípulos quanto à profecia relativa à vinda de Elias; e a resposta do Senhor mostrou que, no que diz respeito à Sua primeira vinda, essa profecia encontrara seu cumprimento em João Batista, que havia sido morto, e Ele aproveitou a oportunidade para predizer novamente Sua própria morte.
No topo da alta montanha, os discípulos tinham estado no lugar de paz e de comunhão celestes; desceram com Jesus ao pé do monte, onde tudo era angústia e fracasso – angústia por parte do menino aflito e de seu pai; fracasso em resolver a situação por parte dos discípulos. O advento de Jesus alterou tudo em um momento, assim como Seu advento em glória restaurará completamente da situação que então existirá, resolvendo não apenas o poder do diabo no mundo, mas também todos os fracassos de Seus santos.
Resolvida a situação, os discípulos pediram ao Senhor para explicar o fracasso deles, e assim eles permaneceram diante de Seu tribunal, como também todos nós permaneceremos no dia de Seu advento. Sua explicação do fracasso deles de um modo geral foi: “Por causa da vossa pouca fé”, mas Ele acrescentou que o demônio envolvido neste caso era de uma “casta” especial que só poderia ser expulsa se houvesse “oração e jejum”. Como tantas vezes acontece com nossos fracassos, a razão não era simples, mas complexa. Três coisas estavam envolvidas. Primeiro, ausência de fé – pouca ou falta de confiança em Deus. Segundo, ausência de oração – dependência de Deus. Terceiro, ausência de jejum – separação para Deus, mesmo das coisas corretas em si mesmas em circunstâncias normais. Com estas palavras, acreditamos que o Senhor expôs as raízes de todos os nossos fracassos na busca de servi-Lo. Somos defeituosos em uma ou outra ou em todas essas três coisas. Vamos investigar, pesquisando nossos corações e vidas, e ver se não é assim.
Pela terceira vez, enquanto esteve na Galileia, Jesus advertiu Seus discípulos quanto à Sua morte, acrescentando o fato de Sua ressurreição. O comentário de Mateus é: “Eles se entristeceram muito”, o que mostra que eles ficaram mais impressionados com a notícia de Sua morte do que com Sua ressurreição. Isso é algo que está fora da experiência natural do homem e eles falharam em apreendê-lo. O incidente que encerra este capítulo mostra que Pedro só pensava em seu Mestre como um bom judeu, que cumpria todas as Suas responsabilidades, e estava ansioso para que todos os outros O vissem sob essa luz. Quando ele iria falar sobre isso, Jesus antecipou-o com uma pergunta que mostrava que, tais como Pedro, eram filhos do reino e, portanto, no devido tempo, estariam livres deste tributo para o serviço do templo. Porém, o momento ainda não chegara a esse ponto, e nenhuma ocasião de tropeço era para ser dada; assim, por um notável milagre, o Senhor providenciou a soma exata necessária para dois pagamentos e, em maravilhosa graça, associou Pedro a Si mesmo. A moeda deveria ser entregue “por Mim e por ti”. Este foi certamente um sinal do modo pelo qual os santos como filhos do reino estavam presentemente associados a Si mesmo.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

MATEUS 16


MATEUS 16


Os fariseus renovaram seu ataque, ajuntando-se com seus antigos inimigos, os saduceus, para esse fim. O “sinal do céu” era apenas um gancho, sendo exatamente o tipo de coisa que os saduceus, com suas noções materialistas, nunca aceitariam. Em resposta, o Senhor salientou que eles eram bons juízes das coisas materiais ao contemplarem  a face do céu, mas totalmente cegos quanto aos “sinais dos tempos”, que precisam de discernimento espiritual para sua apreensão. Sendo “maus e adúlteros”, eles não tinham percepção espiritual e, portanto, tais sinais, como Deus lhes dava, não eram úteis para eles. Como Ele havia dito antes (Mt 12:39), permaneceu “o sinal do profeta Jonas”, a saber, Sua própria morte e ressurreição. Com essa palavra ele os deixou. Quando esse grande sinal ocorreu, eles usaram toda a sua astúcia e seu dinheiro num esforço para anulá-lo; como vemos no último capítulo deste Evangelho.
O Senhor deixou esses homens e voltou-Se para Seus discípulos com palavras de advertência. Eles deviam tomar cuidado com o “fermento dos fariseus e dos saduceus”. Os discípulos, a princípio, entenderam esse aviso num sentido material, cujo mal-entendido estava sendo ajudado pela sua omissão de tomar pão consigo. No entanto, eles não deveriam ter pensado dessa maneira tendo em vista a alimentação dos cinco mil e dos quatro mil. Por fim, entenderam que, com o “fermento”, o Senhor queria dizer “doutrina”. É evidente, portanto, que, embora o verdadeiro discípulo jamais pudesse ser fariseu ou saduceu, ele pode ser levedado por suas doutrinas – por um ou por ambos.
O fermento do fariseu era esse tipo de hipocrisia religiosa que coloca toda a ênfase nas coisas externas e cerimoniais. O fermento dos saduceus era o orgulho do intelecto que eleva a razão humana ao lugar de único juiz, e deixa de lado a revelação de Deus e a fé. O quanto a Cristandade está fermentada por essas duas coisas é tristemente perceptível hoje. O ritualismo desenfreado por um lado, e o racionalismo, ou “modernismo”, por outro, e não é raro que ambos sejam misturados e o ritualismo racionalista seja o produto. A advertência do Senhor contra eles é complementada pelo apóstolo Paulo em Colossenses 2. No versículo 8 desse capítulo, encontramos sua advertência contra o racionalismo, e nos versículos 16, 18, 20-22, contra o ritualismo em várias formas, e ficamos sabendo como essas coisas nos desviam de Cristo e nos impedem de “reter a Cabeça”.
É significativo que em nosso capítulo a advertência do Senhor contra ambos venha logo antes do registro de Sua visita a Cesareia de Filipe, e da questão que Ele levantou com Seus discípulos ali. Neste lugar Ele estava no limite extremo do norte da terra, e tão longe dos efeitos desses homens quanto possível. Quem era Ele? Essa foi a questão suprema. As respostas dadas pelo povo eram várias e confusas, e não estavam suficientemente interessado em fazer uma investigação sóbria. Mas apelando mais diretamente a Seus discípulos, Pedro foi capaz, sendo ensinado por Deus, a dar uma resposta clara, que trouxe à luz a Rocha sobre a qual a Igreja seria construída. Colossenses 2 nos mostra quão destrutivo é o fermento, tanto do fariseu quanto do saduceu, sobre a posição da Igreja e a fé. Em Mateus 16, vemos como o Senhor advertiu Seus discípulos contra ambos antes de fazer o primeiro anúncio da Igreja que Ele iria construir.
Simão Pedro foi um homem abençoado. Do próprio Deus no céu, de Quem Jesus falou como “Meu Pai”, havia chegado a ele uma revelação que nunca poderia ter vindo do homem. Seus olhos foram abertos para ver em Jesus, o Cristo. Essa era Sua posição oficial como o Ungido de Deus. Mas Quem era esse Ungido? Pedro discerniu que Ele era “o Filho do Deus vivo”. Esta foi verdadeiramente uma confissão impressionante. Deus é o Deus vivo, infinitamente acima do poder da morte. Jesus é o Filho na eterna Divindade, igualmente acima de todo o poder da morte. Esse fato evidentemente chegou a Pedro como num lampejo por revelação divina. Ele ainda não estava estabelecido no pleno entendimento disso, como vemos meia dúzia de versículos mais abaixo. No entanto, ele viu que aquilo era assim e o confessou.
Nós confessamos isso também? E realmente entendemos seu significado? Se o entendermos, de fato encontramos uma Rocha inexpugnável[1] e, como Pedro, somos realmente abençoados.
Em Sua palavra a Pedro, registrada no versículo 18, o Senhor confirmou o nome que Ele havia dado a ele em Seu primeiro encontro, conforme registrado em João 1:42, e também revelou algo mais de seu significado. O significado de “Pedro” é “pedra”, mas qual é a sua significância? Isso – que ela o conectou com a Igreja que Cristo, o Filho do Deus vivo, estava prestes a construir. Assim, em Cristo mesmo, está a “Rocha”, sobre a qual a Igreja é fundada. Pedro não era rocha. De fato, ele parece ter sido o mais impulsivo e facilmente comovido dos discípulos – veja Gálatas 2:11-13. Ele era apenas uma pedra, e não há desculpa para o erro de confundi-lo com a Rocha, pois em Seu uso das palavras, o Senhor assinalou a distinção, dizendo: “Tu és Petros, e sobre esta Petra edificarei a Minha Igreja”.
A construção da Igreja ainda estava no futuro, pois a Rocha não foi totalmente revelada até que o Filho do Deus vivo tenha provado o Seu triunfo por meio da morte e ressurreição, e subido ao alto. Então começou a ekklesia de Cristo, ou “companhia chamada para fora”, e aqui foi encontrada uma das pedras que seriam então construídas sobre a Rocha. Em sua primeira epístola, Pedro nos mostra que isso não é algo confinado exclusivamente a si mesmo, pois todos os que vêm à Pedra Viva são pedras vivas a serem construídas também sobre esse Fundamento.
Neste grande pronunciamento, o Senhor falou de Sua Igreja como sendo obra de Sua própria manufatura, contra a qual toda sabedoria e poder contrários não poderiam prevalecer. Nada pode tocar o que é feito no poder da vida divina. Outras escrituras falam da Igreja como a comunidade que professa fidelidade a Cristo, trazida à existência pelos trabalhos daqueles que tomam o lugar de servos de Deus. Sobre essa comunidade, o fracasso foi estampado desde o início e se misturou com o reino dos céus, do qual aprendemos muito em Mateus 13, e que o Senhor menciona no verso 19 de nosso capítulo. As chaves desse reino foram dadas a Pedro – não as chaves da Igreja.
Todos os que professam lealdade ao Rei estão no reino dos céus, e Pedro recebeu um lugar administrativo especial em conexão com isso. Nós o vemos no ato de “ligar” em relação aos judeus em Atos 2:37-40, e em relação aos gentios em Atos 10:44-48; e no ato de “desligar” em Atos 8:20-23. E nesses casos, claramente, seus atos foram ratificados no céu. Mas Simão, o mágico, embora tivesse sido batizado como professo súdito do reino, nunca fora edificado pelo Senhor em Sua igreja.
O reino dos céus havia sido revelado nas escrituras do Velho Testamento, embora não na sua forma misteriosa atual. Por outro lado, nada havia sido dito sobre a Igreja, e essa palavra de Jesus foi uma revelação preliminar dela. Tendo feito o anúncio, Ele imediatamente retirou o testemunho que Seus discípulos haviam dado a Seu respeito de ser o Cristo, vindo à Terra para confirmar as promessas feitas aos pais (Rm 15:8). Sua rejeição era certa e Sua morte iminente. Somente assim haveria a base apropriada para o cumprimento das promessas a Israel, ou a bênção dos gentios para que eles pudessem glorificar a Deus por Sua misericórdia em trazê-los para a Igreja. Por isso, a partir desse ponto, Jesus levou a mente de Seus discípulos à Sua morte e ressurreição – o grande clímax de Sua história terrena. Cristo em glória ressurreta, em vez de Cristo em glória terrena, era o objetivo diante deles.
Aqui Pedro manifesta seu caráter frágil e instável, e é repreendido. É impressionante como nesses poucos versículos o vemos divinamente iluminado, depois administrativamente privilegiado e depois falando de uma forma que lembrou a nosso Senhor de Satanás e dos homens caídos. Tal era Pedro e não somos melhores do que ele. Sua mente e as mentes dos outros discípulos estavam assentadas em bênçãos para serem realizadas na Terra. O Senhor sabia disso e passou a dizer-lhes como tudo seria alterado para eles por Sua morte: eles também teriam a morte trazida sobre eles e perderiam suas vidas neste mundo.
Estas palavras do nosso Senhor (v. 25) ocorrem não menos que seis vezes nos quatro evangelhos, com pequenas variações na redação: duas vezes neste evangelho, duas vezes em Lucas e uma vez em Marcos e uma em João. As seis ocorrências abrangem, acreditamos, quatro ocasiões diferentes. Assim, evidentemente, era um ditado frequentemente nos lábios de Jesus; e isso atesta a sua grande importância. Isso é “corte contra a fibra” com cada um de nós e, ainda assim, coloca em poucas palavras um grande princípio de vida espiritual que persiste durante todo o período de Sua rejeição e ausência do mundo. Somente quando Ele vier novamente, os santos irão gozar a vida na Terra em um sentido completo e apropriado. Entrar para ganhar o mundo agora é perder a alma.
Tendo mostrado a Seus discípulos o que estava diante de Si mesmo e diante deles num futuro mais imediato, Ele prosseguiu falando de Sua vinda em glória. Ele então receberá o reino de Seu Pai e o tempo de recompensa terá chegado, e alguns deles teriam o privilégio de ver, numa pequena escala, o reino como uma amostra do que estava por vir. Esta foi uma expressão de Sua graça que se ocupava com eles, a fim de que não ficassem totalmente desanimados com o que Ele acabara de lhes dizer.


[1] Impossível de ser vencido ou conquistado. Inatacável e insuperável.

MATEUS 15


MATEUS 15


Nessa cena encantadora, os escribas e fariseus de Jerusalém se intrometiam com suas queixas e dúvidas quanto à desconformidade dos discípulos com a tradição dos anciãos quanto à lavagem das mãos. Apenas imagine a cena. O Filho de Deus dispensando cura por todos os lados na plenitude da graça divina, e esses homens, totalmente cegos para com tudo o que estava acontecendo, se intrometendo com uma questão de ordem deles. Cegos por tecnicalidades legais, eles não podiam perceber a graça divina trabalhando em poder. Tal estado de espírito pode parecer inconcebível se não virmos a mesma característica exibida hoje pela mente farisaica, que ainda se ocupa com questões desse tipo, baseadas na tradição e no uso comum e não na Palavra clara e definida de Deus.
A resposta do Senhor a esses homens enfatiza a diferença entre “o mandamento de Deus” e “vossa tradição” (v. 3). Essas tradições dos anciãos eram explicações, amplificações e deduções extraídas da lei por venerados mestres de antigamente. Eles dominaram as mentes dos fariseus e obscureceram tanto a lei de Deus ao ponto de transgredirem a lei para manter sua tradição. O Senhor os acusou disso e deu uma ilustração em relação ao quinto mandamento. Sua tradição no que diz respeito a dádivas, professamente dedicadas a Deus, completamente anulava esse mandamento. O judeu “piedoso” e “ortodoxo”[1] de hoje tem sua mente cheia do Talmude, que é construído a partir dessas tradições, e é como um véu, excluindo de sua mente a verdadeira Palavra de Deus.
Vamos tomar cuidado para não cairmos em uma armadilha similar. Felizmente, podemos nos valer dos ensinamentos dos servos de Deus, mas, usando-os corretamente, seremos levados de volta à fonte – à própria Escritura. Não seria difícil transformar os ensinamentos do melhor dos servos de Deus em uma espécie de Talmude. E assim os teríamos como uma espécie de cortina de fumaça, escondendo de nós a pura Palavra de Deus, assim como o Talmude cega a mente judaica para que não veja a força real do Velho Testamento.
Esse tipo de coisa, forçada ao extremo como era pelos fariseus, incitou nosso Senhor a uma forte exposição de seu mal. Eles eram hipócritas, e Ele lhes disse isso muito claramente. Eles se colocaram sob a severa reprovação de Isaías, pois esse tipo de perversidade religiosa deve sempre ser encontrada em homens que têm corações distantes de Deus e ainda O honram com seus lábios, enquanto colocam seus próprios preceitos e mandamentos no lugar de Sua Palavra. Toda essa adoração nominal é vazia e vã, porém não é difícil para um verdadeiro crente se enredar em tais coisas hoje.
Tendo exposto os fariseus a si mesmos, o Senhor voltou-Se para o povo para avisá-los quanto ao erro que estava na raiz dessa hipocrisia – a suposição de que a contaminação entra nos homens como vinda de fora, em vez de gerada internamente; que é física em vez de espiritual. A coisa contaminada é o que sai da boca de um homem, expressando o que está em seu coração. O coração do homem é a fonte principal da contaminação. Fato solene! Os fariseus, é claro, ficaram ofendidos com tal ensinamento, que cortou pela raiz todas as suas observâncias cerimoniais, mas isso apenas mostrou que eles não eram plantas da lavoura de Deus. No final seriam arrancados. Eles eram cegos e enganavam outros que também eram cegos. Deus trataria com eles em Seu governo, e os discípulos deveriam deixá-los sozinhos e não revidar.
Mas o que o Senhor acabara de dizer soava estranho até mesmo para os discípulos; então Pedro pediu uma explicação, tratando-a como uma parábola. Isso provocou uma repreensão – embora gentil – do Senhor. O fato era que ninguém, nem mesmo o melhor deles, via muito além da letra da lei com suas ofertas e regulamentações cerimoniais e, portanto, tinham muito pouca noção de seu poder de convencimento. Eles estavam preocupados com o que entrava em suas bocas, a fim de poderem estar cerimonialmente limpos. A lei, se entendida espiritualmente, se preocupava com o estado do coração, como o Senhor mostrara em Seu sermão no monte. As coisas más do versículo 19 procedem do coração, e é significativo que os maus pensamentos encabeçam a lista, pois é aí que todos começam. Assim o Senhor expôs o mal que está no coração do homem.
Ele procedeu, no caso da mulher de Canaã, para revelar a bondade que está no coração de Deus. A graça divina estava pronta para fluir livremente sem atentar para pessoas, de modo que os gentios, assim como os judeus, pudessem recebê-la; uma coisa só era necessária por parte do destinatário – honestidade de coração. Agora a mulher se dirigiu a Jesus como o Filho de Davi para apresentar seu pedido de misericórdia. Ela veio como se fosse uma das pessoas de Israel, pensando talvez que, ao fazê-lo, teria mais chances de ser ouvida. Houve uma medida de insinceridade nisso e, portanto, “Ele não lhe respondeu palavra”.
Mas embora houvesse insinceridade, havia também uma persistência de fé tão sincera que os discípulos intervieram por causa de seus gritos, e isso levou às palavras do Senhor no versículo 24, que lançaram alguma luz sobre o seu erro. Ela agora apresentou seu pedido simplesmente em razão de sua necessidade, dizendo: “Senhor, socorre-me”; e isso levou a ainda mais palavras penetrantes do Senhor. Sua missão era na casa de Israel, que estava espiritualmente perdida, pois afinal eles estavam no lugar dos filhos, enquanto os gentios estavam no lugar dos cães, imundos e fora da esfera dos tratamentos de Deus. Aqui estava uma prova de fato! Será que ela deitaria fora o último retalho de pretensão e humildemente tomaria seu verdadeiro lugar?
Ela assim o fez de maneira muito marcante. Sua resposta, no verso 27, efetivamente dizia: “Eu sou realmente uma gentia, mas entre os homens há um excedente suficiente para alimentar os cães, e tenho certeza de que o coração de Deus não é mais estreito que o coração de homem”. Nesta resposta, Jesus instantaneamente detectou grande fé e reconheceu-a, dando-lhe todo o seu desejo. Assim, pela segunda vez, Ele descobriu grande fé e a salientou. Em ambos os casos – o centurião em Mateus 8, e aqui – foram gentios que a exibiram; e em ambos os casos estava aliada à condenação do ego. “Eu não sou digno”, disse o centurião: “Eu sou apenas um cachorrinho”, com efeito, disse a mulher. É sempre assim: altos pensamentos de si procedem de pouca fé e pensamentos baixos de si mesmos de grande fé. Vamos procurar e ver se a explicação da pequenez da nossa fé está exatamente aqui.
O coração de Deus era de fato maior do que a mulher imaginou. Ela, embora fosse um cachorrinho, obteve uma grande migalha da mesa; mas no presente o banquete todo seria enviado aos cães, pois esta é a força do anúncio de Paulo em Atos 28:28. Ainda assim, muito tinha que acontecer antes que esse anúncio pudesse ser feito, e em nosso Evangelho vemos o início da maravilhosa transição. No restante do nosso capítulo, vemos novas manifestações marcantes do coração de Deus. A misericórdia que abençoou uma mulher gentia estava igualmente à disposição das multidões aflitas de Israel. A multidão teve apenas que trazer seus necessitados e “os puseram aos pés de Jesus” para que fossem curados de tal maneira que suas mentes fossem direcionadas para o Deus de Israel, e eles O glorificassem.
Essa manifestação de poder, exercida em misericórdia divina, era tão atraente que as multidões ultrapassaram em muito seus suprimentos de alimento disponíveis e, em sua necessidade, Jesus novamente manifestou a compaixão do coração de Deus. Houve uma recorrência da situação registrada no capítulo anterior, e, no entanto, aparentemente, os discípulos não esperavam que o Senhor agisse exatamente como antes. Neles podemos ver exemplificada nossa própria falta de fé. É comparativamente fácil lembrar como o Senhor agiu nos dias passados; outra coisa é contar com Sua atuação hoje, na certeza de que Ele é sempre O mesmo. Ainda assim, a falta de fé de nossa parte não é uma barreira insuperável à ação de Sua parte. Ele novamente pegou de seus pequenos recursos e os multiplicou em mais do que suficiente. Novamente havia comida para todos e um excedente. Tal é a compaixão do coração de Deus.


[1] N. do T.: Ortodoxo provém da palavra grega “orthos” que significa “reto” e “doxa” que significa “fé”. É o que está em conforme com a doutrina tida como verdadeira.